Resenha da coletânea de contos nacionais com temática natalina dos autores da Agência Página 7.
Título: Todas as cores do Natal
Autores: diversos
Idioma: português
Ano de Publicação e Editora: 2017, Agência Página 7
Sinopse: A Agência Página 7 reuniu cinco autores para contar histórias divertidas e emocionantes sobre personagens LGBTQ+ durante as festas de fim de ano. Nessa coletânea, Vitor Martins narra uma divertida história de amigo secreto no curso de inglês que vai fazer o leitor morrer de amores e vergonha alheia por Renato. Já Bárbara Morais traz o universo das Garotas Mágicas para salvar o Natal na capital do país e falar sobre a importância da amizade verdadeira. Lucas Rocha conta como Danilo só queria um fim de ano comum, mas, de repente, tudo dá errado na noite de Natal e ele se vê preso em uma tempestade envolvendo um peru assado, um cachorro e o garoto por quem ele tem uma quedinha. Alliah mostra que uma simples viagem em grupo de fim de ano para uma ilha no litoral do Rio de Janeiro pode revelar seres sobrenaturais sofrendo com as alterações mágicas causadas pela poluição dos mares. Para fechar com chave de ouro, Mareska Cruz fala sobre a relação de Benedita com o Natal desde o seu nascimento: são quinze anos de pura diversão, coração partido, amor e amizade.
"Todas as Cores do Natal" propõe trazer a voz dos escritores enquanto pessoas LGBTQ+ para ilustrar as experiências de seus personagens a partir de uma perspectiva mais próxima. Escrever com essa propriedade de fala é algo conhecido como “own voices” no mercado internacional e é muito importante para a diversidade na literatura.
Concordo muito com a proposta tanto da coletânea, quanto da Página 7 em geral, que trabalha com representação de autores nacionais que escrevem para o público juvenil e sempre buscam diversidade. Essa coletânea tem uma pegada bem "internacional" (não sei explicar, mas só pela menção do "own voices" na sinopse dá pra perceber, né) e conta com cinco textos de autores diferentes, alguns bem grandinhos. Vou falar de cada um em separado para dar a devida atenção, mas vou evitar entrar em muitos detalhes para não dar spoilers.
Renato e Daniel, arte do próprio Vitor. |
Vinte Bombons de Banana, Vitor Martins
Felizmente descobri que gosto da escrita do Vitor mesmo depois de "15 Dias", e que esse aqui não tem tanto a cara dele, mas dá pra ver que é mesmo o seu estilo: cômico e dramático ao mesmo tempo. A ideia do conto é muitíssimo parecida com uma que eu mesmo tive (e escrevi) em 2014, com o "Aprendendo a Gostar de Garotas" (tá disponível no wattpad) e a trama gira em torno de Renato, Daniel e um Amigo Oculto de fim de ano numa turma de inglês. É tudo muito bonitinho e fluido, mas achei a "saída do armário" meio desnecessária - tudo bem que isso se encaixa na premissa da coletânea, né, mas mesmo assim eu preferiria que essas cenas não tivessem existido do jeito tão exposta como foram. Sou do tipo que prefere as entrelinhas e nessa trama elas caberiam bem, mas gostei de tudo, exceto disso.
Garotas Mágicas Super Natalinas, Bárbara Morais.
Faz um tempo que não leio algo da Bárbara então não tenho como comparar com nada, na verdade, mas gostei de forma geral. A trama gira em torno de um grupo de garotas mágicas que se transformam para salvar o mundo - é, isso mesmo. Eu creio que teria amado esse plot se fosse mais nova, mas hoje em dia eu acho que funciona bem visualmente, sabe, num anime ou coisa do tipo, mas na escrita ficou só ok mesmo. Gostei, mas não me surpreendi. Achei que a pegada natalina só ficou no pano de fundo da fantasia toda, as personagens "secundárias" são pouco apresentadas então não consegui me apegar e/ou distinguir nenhuma com precisão, mas.... É um dos contos que não traz romance propriamente dito, mas uma mensagem muito, muito bonita sobre aceitação e amor de uma forma geral. Dei muito crédito pra isso.
A Aventura do Peru de Natal, Lucas Rocha.
Talvez o que eu mais tenha gostado, empatando com o do Vitor. A história acontece toda em menos de 24 horas e é sobre a véspera de Natal de Danilo, seus parentes, vizinhos e Vinícius. O ritmo no início é arrastado, até meio chato, além do fato de que a história começa meio engraçadinha, mas acaba indo para o lado do drama depois. E isso me surpreendeu positivamente, porque deu pra encaixar flashbacks doloridos, comédia na medida certa, e um clímax bem plausível. O plot do conto é muito bem feito. Eu tive a impressão, porém, que o texto foi bastante "mexido" (falo disso mais pra frente), apesar de isso não ter atrapalhado minha leitura. É o conto cujo tema Natal está mais presente e nítido.
Entremarés, Alliah
Não digo que foi um desafio ler esse conto, mas foi definitivamente surpreendente. É uma história fantástica que envolve sereios, tubarões e um grupo de amigos bem diversificado com acesso à internet. Eu não esperava nada, gostei positivamente porque deve ter sido uma das coisas mais originais que li ultimamente. Assim como o conto da Bárbara, porém, a quantidade de personagens e o ritmo acelerado o tempo todo me deixaram com dificuldades em distingui-los e em me apegar a qualquer um deles, tirando a Nicolas. Também é a primeira vez que leio algo com personagens tão fluidos, em todos os sentidos da palavra, mas principalmente de gênero e sexualidade. Com toda certeza vai me servir de muito referência para o futuro. Lado ruim: não achei que a ligação com o Natal foi devidamente explorada ou que influenciou a trama, aliás. E também não consegui me ambientar no cenário e achei algumas coisas super forçadas, mas tá valendo.
Os Quinze Natais de Benedita, Mareska Cruz.
Nunca tinha lido nada da Mareska e esse conto me arrancou umas lágrimas por motivos de: animais. É a história de Benedita e seu fiel companheiro, o cachorro Bartolomeu. Acompanhamos os 15 natais da menina e, no começo, fiquei meio desconfiada da esperteza da criança, o que me pareceu um pouco inverossímil. O ritmo é um pouco lento e demorou pra chegar onde deveria, tendo a parte do romance romântico ficado quase de fora do enredo principal, o que achei um desperdício. Mas também é um dos contos que tem uma ligação bastante forte com o Natal; adorei as descrições, a ambientação, os personagens foram todos bem apresentados e desenvolvidos. Mas eu senti que poderia ter esticado mais certas partes, como o clímax e o finalzinho, e cortado outras, como as descrições demasiadas dos natais de quando Benedita era pequena. Bônus: esse conto de muitos nomes engraçadamente novos e originais pra mim, o que por um lado foi legal, mas por outro me bateu uma ideia fantasiosa muito grande.
Enfim, de um modo geral eu gostei, mas achei que alguns contos foram mais trabalhados que outros. Digo, tiveram uma "atenção" maior, foram mais "podados". Até na revisão acho que dá pra perceber isso. Talvez por uma questão de experiência dos autores, o pessoal da Agência deixou e confiou, sabe? Não que isso seja algo ruim, mas é perceptível em alguns pontos e isso me leva a pensar que eles poderiam ser melhores, os que foram menos "podados".
Como o intuito (eu acho) da coletânea era oferecer aos leitores algo leve e um espaço para enxergar que eles podem ser quem são, mesmo quando a família é um tema complicado para tantos LGBTQs, acho que foi válido. Eu sei que Natal e sinônimo de "aglomeração familiar", e que isso por si só pode gerar angústias em quem se identifica com as letrinhas da sigla, e é isso o que a coletânea quer passar, creio, mesmo assim eu arriscaria dizer que desse propósito mesmo só dois dos cinco contos trabalham diretamente essa questão. Então não precisaria ser uma coletânea "de Natal", mesmo porque nos outros três contos a época do ano não faz muita diferença.
MAS só pelo intuito, pela reunião dos escritos tão diversos, e pela iniciativa, vale a pena ler a coletânea com a mente e o coração abertos.
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