19/07/2017

Review - Fãs do Impossível

Um young adult contemporâneo que abordar diversas faces da adolescência perturbada e doente. Vamos dar uma olhada:


Título: Fãs do Impossível (Fans of the Impossible Life no original).
Autor: Kate Scelsa
Idioma: inglês (original) com publicação em português
Ano de Publicação e Editora: 2015 (original), 2016 pela editora Intrínseca

Fãs do impossível conta a história de três amigos, Mira, Sebby e Jeremy, em meio aos complexos conflitos da adolescência. Mesmo sentindo-se despedaçados, sem motivos para serem amados e tentando não sucumbir à solidão, os três lutam pela vida, cada um à sua maneira.
Mira está começando em uma escola nova, depois de passar um tempo no hospital. Ela se sente insegura no novo ambiente e acha que não vai conseguir ficar longe de seu melhor amigo, Sebby, um garoto brincalhão que leva a vida com boas doses de mentira e bom humor, até que seu lado mais destrutivo vem à tona. 
Jeremy está retornando à antiga escola, depois de um tempo afastado por causa de um incidente traumático que arruinou seu ano letivo. Tímido e quieto, ele deseja se aproximar de Mira e Sebby. 
Juntos, contra todas as expectativas, eles vão viver o impossível.

A sinopse conta bastante coisa e talvez essa resenha contenha alguns pitacos de spoilers. O livro é intercalado entre os três protagonistas, Mira (Miranda), Sebby (Sebastian) e Jeremy. As partes da Mira são escritas em terceira pessoa, as do Jeremy, em primeira, e o Sebby fala dele mesmo na terceira pessoa (coisa que demorei um pouco pra me acostumar). Os três protagonistas têm vozes bastante diferentes, apesar de se misturarem no enredo, o que nos deixa tranquilos na leitura, sem chance de confundi-los. Além disso, o livro é dividido em três partes sem nomenclatura, mas que euzinha acho que podemos falar assim: Parte 1 - se conhecendo, Parte 2 - intimidade, Parte 3 - se despedaçando.

Miranda é uma garota depressiva - e quando digo isso quero dizer que seu nível de depressão, ansiedade e outras doenças mentais é extremo ao ponto de ela ter sido internada por tentativa de suicídio. Isso tudo nos é explicado aos poucos, mas a forma como a autora aborda o sofrimento da Mira é extremamente verídico e doloroso, principalmente para quem sofre de alguma dessas doenças. A autora é honesta com Mira (e com os leitores) ao descrever suas crises e o que ela faz para tentar passar: dormir e mexer com roupas, ir à brechós (ela é obcecada com isso), e sair com Sebby, seu melhor amigo que conheceu no hospital. Mira também tem problemas com seu corpo porque é negra e gorda e todo o turbilhão de coisas que acontecem na adolescência explodem de uma vez e ela é praticamente obrigada pelos pais a mudar de escola para ver se "começar do zero" funciona para ela. Então Mira vai para a escola elitizada da cidade, onde conhece Jeremy.

Jeremy é o mais inocente dos três, tem uma voz muito suave e seu drama (inicial) gira em torno de um "acidente" que aconteceu no seu ano letivo anterior. Esse acidente só nos é revelado no meio do livro, então não vou descrevê-lo aqui, mas ele liga toda a personalidade do Jeremy com sua família e sua escola, que é basicamente toda a sua vida. Jeremy tem um professor, Peter, que o ajudou a superar esse "acidente" e que acaba "apadrinhando" ele, Mira, Sebby e outros colegas que o buscam por apoio. Peter também é o orientador do Clube de Artes que Jeremy monta no colégio e que reúne outras personagens importantes, como Rose e Talia.

Sebastian é, dos três, o mais problemático, digamos. Órfão, ele pula de família em família no sistema de adoção dos EUA até que consegue se assentar um pouco na casa de Tilly. O porém é que Tilly é muito religiosa, tem outras crianças para cuidar e acha que Sebby é uma má influência para elas porque é abertamente gay. Então Sebby passa a maior parte do tempo fora de casa, se metendo em confusão com más companhias. E então Sebby vai parar no hospital e conhece Mira enquanto fica internado sozinho se recuperando de uma cirurgia e de uma quase-morte. Sebby também sofre de depressão, mas ele lida com o assunto de maneira completamente inversa dos outros personagens: com as drogas. Escapando. Fugindo. Se destruindo.

Os três se conhecem quando Jeremy convida Mira para fazer parte do Clube de Artes, e Mira está sempre com Sebby à tiracolo, e Sebby está sempre cheio de piadinhas e intimidades e acaba gostando de Jeremy, e vice-versa. Jeremy é um garoto solitário, então a presença dos dois abre as portas para um novo tipo de experiência que ele se permite viver. Os três se tornam essenciais para a saúde mental de cada um ao ponto de ser doentio a dependência deles um do outro (sabe?) - isso fica nas entrelinhas, principalmente na fala de Jeremy, mas para mim foi muito claro que alguma coisa ruim aconteceria a partir do momento em que essa dependência se concretiza, por assim dizer.

Até os 60% desse livro, as partes 1 e 2, tudo parece muito tranquilo, apesar das crises da Mira. É uma leitura gostosa e bastante fluida. Apesar de intercalar os capítulos, dá pra acompanhar claramente a vida dos três protagonistas (e de todos os outros coadjuvantes na visão dos três também) de forma bastante completa - a exceção, um pouco, de Sebby, que é o mais obscuro dos três. As descrições das crises da Mira são fantásticas e o modo como Jeremy enxerga o mundo como antes-dos-3 e depois-dos-3 também é muito honesta e até avassaladora: ver o mundo dos três através dos olhos dos três e encaixá-los uns nos outros é uma experiência muito completa, sabe? Não tem nada na escrita que peque, não tem nada que deixe a desejar, que não preencha as lacunas...

Mas daí nos últimos 40% o clima da história despenca para um drama tão forte que eu sinceramente perdi o ritmo da leitura. Não sei se foi porque esse tipo de carga emocional mexe bastante comigo, ou se foi por outro motivo, mas demorei muito pra terminar. Mira perde o controle, Sebby se perde e Jeremy troca as pernas pelas mãos, deixando a gente angustiado o tempo todo. O final é esquisito, não consigo achar uma palavra melhor. Ele amarra certas partes da trama de maneira bastante convincente, mas deixa outras ainda mais obscuras (Sebby!!).

Apesar dos pesares, é um livro que tem uma gama enorme de diversidade nos personagens: tem gente representando quase todas as letrinhas da sigla LGBTQ, tem diversidade racial e de famílias (a família do Jeremy é um amor!). Além disso, traz uma diversidade enorme de temas também: desde doenças mentais à homofobia, racismo, intolerância religiosa, crítica aos padrões universais e sistemas governamentais, etc. Há diversas histórias paralelas que se complementam à dos protagonistas: a da Rose e sua (ex-atual?) namorada, Talia e sua obsessão por Peter, e o próprio Peter companheiro que é extremamente injustiçado no final. Eu particularmente adoro esses personagens de professores porque me identifico muito com eles, e aqui não foi diferente.

Também posso dizer que é um livro bastante fora da caixinha: eu comecei achando que encontraria um triângulo amoroso porque é essa impressão que temos até metade da trama, eu acho. E é esse o enredo que a gente tá acostumado a ler por aí, né? Mas então a autora consegue passar por cima desses estereótipos e nos apresentar uma história muito bonita de poliamor (talvez?) e de amizade. Os três protagonistas se amam de uma forma bastante única para cada um, mas todas são verdadeiras e nenhuma "compete" com a outra ou ultrapassa a outra em termos de intensidade. São todos intensos demais, eu diria. Há cenas muito íntimas e é legal ver como cada um dos personagens enxerga de maneira diferente essas cenas - como a da festa, do quarto, entre os três (spoiler gigantesco, mas quem ler saberá do que estou falando), que me surpreendeu um pouco.

Uma pessoa no GoodReads comentou a seguinte frase, que resume bem o livro pra mim: 

"Essa é a história de uma garota, seu melhor amigo gay, e um garoto que está apaixonado pelos dois"

A capa é muito bonita e representa bem o enredo, além de ter sido mantida na publicação aqui (só não sei porque mudaram as cores dela, mas enfim). O título do livro tem a ver com sobreviver num mundo em que todos esperam algo de você, esperam que você atinja certos objetivos e que seja o que foi planejado para ser, sabe? A ponto de ser impossível sair desse ciclo social doentio em que você é enclausurado à determinadas escolhas, e, se não as alcança, é taxado de fracasso.

Há uma parte em que os protagonistas estão conversando justamente sobre isso, de uma maneira bem madura, e eu vou deixá-la aqui porque serve de lição de vida pra gente - aliás, esse livro tá cheio de lições de vida de cortar o coração, então leve um lencinho se você é sensível à esses dramas.

"Que nós possamos viver impossivelmente - disse Sebby, quando abriu os olhos. - Contra todas as expectativas. Que as pessoas nos olhem e se perguntem como joias assim podem reluzir no triste deserto do mundo. Que nós possamos viver o impossível."

3 comentários :

  1. Oi, oi!

    Demorei para ler essa resenha, porque acabei esquecendo, desculpe! Mas posso dizer que ela me convenceu a comprar o livro (finalizei minha comprar agora hahaha). Você me animou demais a ler, porque tudo o que eu tinha lido antes nas outras resenhas você escreveu o oposto. Percebi que existe muito das personagens no enredo, o que me fez ter ~muita curiosidade de conhecer os três. Gostei de cada um ter uma particularidade extrema, mas real e dolorosa. Vou esperar meu exemplar chegar ansiosamente (de um jeito bom). Obrigada por sua opinião! Na maioria das vezes, acabo comprando livros por causa do seu aval :) Terminei Quinze Dias e já resenhei (mas a resenha vai demorar um pouco para sair, porque tenho outras pra postar ainda, mas te aviso!).

    Love, Nina <3
    http://ninaeuma.blogspot.com/

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    1. MEU DEUS, tô me sentindo muito responsável agora! Espero que não se decepcione e me conte depois!

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    2. PORÉM, ps.: posso dizer o mesmo, também compro/leio muita coisa depois que você fala sobre! ;)

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