Título: Não Tão Primos
Autor: Renan Merlin
Idioma: português
Ano de Publicação e Editora: 2016, Coerência.
Sinopse: Tudo parece sem cor. As férias começaram com um romance e acabaram como um filme de terror. Agora as aulas vão recomeçar e Bernardo terá que enfrentar os meninos que o agrediram e lidar com a nova emoção que insiste em seguir os seus passos: o medo. Apesar de tudo, Bernardo não está sozinho, Gustavo chegou para recolorir o seu mundo. Gustavo e Bernardo são meio que primos, ou melhor, Não Tão Primos.
O livro é escrito em primeira pessoa sob o ponto de vista de Bernardo. Há um prólogo curtinho que conta basicamente o pano de fundo inteiro: Bernardo está de férias e resolve fazer natação para aproveitar a piscina de casa. Só que quem começa a lhe dar aula é seu colega de escola Matheus, um garoto que é conhecido por andar com o grupinho que adora fazer piada com todo mundo. E daí que Matheus e Bernardo se aproximam em circunstâncias extraordinárias e, claro, o mocinho fica deslumbrado pelo nadador e, aparentemente, o sentimento é recíproco.
E aí entra em cena a pequena "gangue" do Matheus, formada pelo Jonatas e o Vitor, e Bernardo acaba sofrendo violência física por parte dos três (vamos dizer assim). Tudo isso nas férias (e no prólogo). E no dia seguinte ele tem que ir ao colégio, maquiando o olho roxo que recebeu. Para completar, seu primo distante, Gustavo, está de mudança para sua casa para estudar o último ano do ensino médio na sua escola. Sua chegada muda definitivamente a vida de Bernardo e a dos outros também.
Bem, nada como a chegada de alguém "novo", né? Um clichê bastante usado, vamos combinar. O prólogo dá o tom do livro inteiro mesmo - ele é inclusive maior que todos os capítulos, e só depois de ler os agradecimentos é que dá pra notar que o livro foi inspirado em um conto (que muito provavelmente era esse prólogo). E esse bendito prólogo foi a parte que eu mais gostei da trama toda.
O livro é contado em primeira pessoa, porém o ponto forte são os diálogos: tudo, quase que literalmente tudo é feito e falado entre os travessões. Isso é bem legal porque a leitura anda mais rápido, né? Mas os diálogos muitas vezes são formais demais para os personagens, além de não transpassarem emoções: é diferente você descrever uma cena e falar dela no diálogo, que normalmente não passa o sentimento para o leitor se você não tomar cuidado. Fora que é um bate-volta muito imediato: um personagem fala, o outro responde, sem descrições, sem considerações... Nada. Isso ao mesmo tempo em que pode agradar, por ser considerado "dinâmico", pode te deixar frustrado porque todos parecem ter a mesma "voz" (o "beijos" do final de cada ligação que eles fazem, é o maior exemplo disso!).
Assim, nenhum personagem se destaca pelos diálogos. Não há algo que os diferencie, uma marca registrada que você possa pensar: "bem, já conheço tal personagem, ele nunca falaria isso". Todos parecem ser intercambiáveis no diálogo porque não dá pra diferenciá-los pela fala, e isso é triste, porque não te faz se identificar com nenhum. Sim, eu gostei da Gabi, por exemplo, mas só mais pro finalzinho, quando parecia que a personalidade dela estava se deixando passar pela fala. Mas ela também é um clichê que eu prefiro deixar passar, e que não me convenceu. Bernardo, Gustavo, Matheus... nenhum deles parece verossímil, infelizmente. E nenhum deles te prende à leitura ou oferece um ápice na trama. O que era pra ser o ponto alto de "reviravolta" ou de "redenção" (se é que posso chamar assim) passa completamente batido. O Matheus, aliás, é um personagem super contraditório; suas falas são desconexas da imagem que o autor quis passar a partir do prólogo: quando que alguém como ele falaria as coisas que ele falou (no ato da "redenção", por exemplo), do jeito que falou e em tão pouco tempo assim? Lamento, mas a resposta é jamais.
Sobre o enredo, há pouquíssimas reflexões (por parte do narrador) que alimentam a trama, e, quando há, elas são normalmente interrompidas por algum evento externo (o telefone tocou, alguém bateu à porta, etc). Achei esse detalhe deveras frustrante porque, como protagonista-narrador, convenhamos: o Bernardo é um fracasso. Ele não consegue passar o que tem que ser passado ao leitor. E não há muita evolução nele, apesar do autor ter tentado mostrar que houve, sim, uma mudança (mudança porém não é evolução; o modo de ser - passado pela escrita - do Bernardo no começo e no fim da trama para mim são os mesmos). Por exemplo, um dos pontos centrais (ou deveria ser) na trama é a questão da violência física (e que é importantíssima de ser discutida, mas que foi deixada completamente de lado) que o faz, no começo, ficar apavorado de ir ao colégio, de sequer sair de casa.... Só que esse "apavorado" não é transpassado para o leitor, sabe? Ele esquece muito rápido desse "medo", não dá pra "comprar a ideia" porque não há uma reflexão sobre o assunto, ele não dura. No geral, os diálogos atrapalham isso, e o próprio narrador não demonstra esse medo por meio deles. Ao final da trama o Bernardo diz que "foi uma fase difícil", etc, mas a impressão que tive não foi essa! Foi justamente o contrário: que tudo passou muito rápido e que foi fácil de superar.
Achei que a abordagem da ideia da homofobia, da violência, fosse ser o centro da trama - pela sinopse, pelo prólogo, sei lá, é o que dá a entender - mas elas são completamente desperdiçada. Tinha TUDO pra ser um livro icônico, mas fiquei triste por não ter sido retomada como achei que seria, porque não vejo como isso afetou a vida do Bernardo. Me pareceu muito mais um episódio qualquer em vez de algo que marcaria o resto dela (e que é o que normalmente acontece). A história, em geral, aliás, é bastante simples e utópica. Há algumas cenas completamente fantasiosas, mas talvez seja para manter o selo de "romance", eu acho. Porque o livro é bem água com açúcar mesmo, com cenas bastante clichês, tipo sessão da tarde (daria um ótimo filme!).
O livro é curtinho, tem menos de 200 páginas, e o ritmo é esquisito porque se passam (só) seis meses nessas páginas, mas tem capítulo que dura metade de um dia, e tem capítulo que fala de semanas de maneira que você não consegue identificar essas passagens de tempo. Às vezes eu me pegava lendo e o Bernardo falava algo do tipo "ah, tal coisa é amanhã", mas no parágrafo anterior ele estava falando da tal coisa como se fosse na semana seguinte! Ué!? Há uma confusão, também, em tempos verbais que me deixou um pouco nervosa: hora a narração é no presente, hora no passado, hora misturando os dois... O que é comum, sim, porque na hora que a gente tá escrevendo é como se fôssemos o protagonista contando um diário, mas é algo que deveria ter sido observado pela revisão porque confunde muito o leitor e atrapalha na fluidez da leitura. Fora que, pelo livro ser amarrado ao prólogo, a menção do Gustavo nele, por exemplo, é curtíssima, mas já no primeiro capítulo ele é tratado como se já o conhecêssemos de longa data! Não senti confiança na narrativa.
Uma outra coisa que observei demais foi algo que eu já tinha comentado em resenhas anteriores, mais notadamente na resenha que fiz de "Entre Garotos" aqui. O Renan sofre do mesmo mal do Pablo (autor de "Entre Garotos"): querer transpor tudo o que tá na cabeça pro papel. Tudo, literalmente, sem deixar espaço para o próprio leitor preencher as lacunas da trama. Poxa, isso é papel do leitor, deixa ele pensar um pouco, deixa ele imaginar! Quando você descreve desnecessariamente coisas demais, o leitor não precisa imaginar, e aí acaba toda a graça. "Entrei na cozinha, abri a geladeira, peguei exatamente dois copos no escorredor, peguei o suco, fechei a geladeira, coloquei o suco na mesa...."... Deu pra entender? Então. Isso me deixa muito incomodada, sempre! Dá pra melhorar!
Ademais, ponto positivíssimo: eu gostei muito do fato da sexualidade do Bernardo não ser um problema. Ela não é discutida porque, bem, não precisa, né? Ela só é dada e ele vive a vida sem ter que entrar na questão da "diferença", do "sair do armário", dessas coisas que são a base da maioria dos romances (nacionais e internacionais) "LGBTQ". Apesar de ter menções sobre esse "se assumir", tanto dele quanto por parte do Gustavo, por exemplo, não é o foco da trama, um ponto mais que positivo pra gente dar diversidade a esses livros, né? Outra coisa que gostei bastante e que pode ser um pequeno spoiler: apesar da narrativa ser deveras sexualizada num geral, a cena de sexo em si foi bem escrita e encaixada no momento certíssimo da trama (mais certo impossível, belo timing)! Nada exagerado, pornô ou irreal (demais).
A capa também é outro ponto positivo, porque dá pra saber bastante sobre o enredo só a partir dela - bem colorida, chamativa; o livro tem uma diagramação bem bonitinha também!
Em suma, Não Tão Primos era uma história postada no Wattpad e que virou livro físico. Talvez na plataforma tenha surtido efeito, porém, na sua mão, vemos um "livro de diálogos". Gostei do prólogo porque é a ideia original e ela ficou bem executada ali, mas acho que, como desenvolvimento, a trama foi rápida, precária até, tudo muito superficial. A impressão que fica é que parece que "faltou" algo, que foi "picotado" na edição talvez. Não cheguei a ler a versão do Wattpad para comparar, mas fica o toque.
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