Título: Lucas e Nicolas - Um Amor Adolescente
Autor: Gabriel Spits
Editora: Editora Rocco
Ano de publicação: 2016
Aparentemente, eles têm pouco em comum: Lucas não tem talento para o esporte, mas é um gênio na escola. Sua vida social é nula, mas nas redes sociais se vira bem; Nicolas é o fortão da turma, bonito, popular. Suas notas são vergonhosas, mas nos esportes ele se destaca. Suas dúvidas irão uni-los; suas certezas podem ser desastrosas. Em seu romance de estreia, o paulista Gabriel Spits pinta um retrato honesto, cativante e bem-humorado da adolescência nos dias de hoje. Lucas e Nicolas é um romance sobre amizade e homossexualidade, amor e descobertas na fase mais conturbada da vida.
Já tinha falado do lançamento numa postagem anterior aqui, e tive a oportunidade de ler o livro logo que ele foi lançado. Demorei a fazer a resenha, porém, pra ver se algumas opiniões se "assentavam".
Como a sinopse já conta basicamente tudo, começamos pela visão de Lucas da história. Ele é retraído, se esconde atrás dos fones de ouvido e do que a internet pode lhe proporcionar. As pessoas que considera amigos estão bem longe fisicamente, e ele se sente confortável com isso até certo ponto. Afinal, está sempre trancado em casa, no computador, "fingindo" ser quem não é nas redes sociais. Não que Lucas não tenha amigos - ele conversa bastante com um garoto (Matheus) de São Paulo, cidade que ele gostaria de viver. Sua rotina no interior é chata e regada a obstáculos: xingamentos na escola, indiferença dos pais, medo, rejeição, etc.
Lucas é um garoto bem típico, meio estereotipado, meio contraditório em boa parte das coisas que faz (ele não gosta de se relacionar com os colegas, mas vai na festa de aniversário onde sabe que todo mundo estará, por exemplo). E Nicolas é o menino que vem morar na casa do pai, transferido da capital por conta de problemas acadêmicos. Ele é um garoto que se destaca pelas aparências - forte, loiro, com jeito de "alemão" - e pelas medalhas que coleciona por conta do caratê. O novato chama a atenção de todo mundo, principalmente de Lucas, que começa a ficar um pouco obcecado por ele.
A história em si é bem clichê e se desenvolve dentro do esperado. Gostei da divisão do livro entre os pontos de vista dos meninos e da forma como isso foi articulado - não gostei, porém, das repetições (desnecessárias) das cenas ao mostrar esses pontos de vista que até convergiam, de certa maneira. Não que a ideia não tenha sido legal - já a vi sendo desenvolvida em outros livros, mas a recontagem de todos os detalhes me deixava irritada, mesmo que a visão dos meninos fosse (levemente) diferente e que isso acabou ajudando no desenrolar do resto da trama, da metade pra frente. Achei que o ritmo foi bastante prejudicado por causa disso, por termos que reler a mesma história, praticamente, duas vezes, contada por "vozes" diferentes.
Aí a narração foi algo que me chamou atenção e me causou certo estranhamento no início, mas foi o ponto que me cativou no livro e pesou minha avaliação pra cima. Ao mesmo tempo que um narrador em terceira pessoa conta a história, temos vários comentários em "primeira pessoa", como se os meninos se "infiltrassem" na narração. É um recurso que eu acho bastante inteligente, mas tem que saber ser usado, e o Gabriel conseguiu o feito sem muito esforço! Aliás, a escrita do mocinho rapidamente me lembrou duas pessoas: Danilo Leonardi, pelas frases curtas e cruas, diretas e objetivas; e o Enrique Coimbra, pelo tema e pelas reflexões dos dois personagens principais, mais elementos clichês do tipo "festa, bebidas, meninas, etc". Li (não vou me lembrar em qual, mas foi numa coluna no blog da Rocco, se não me engano) que o próprio Gabriel menciona esses dois autores nos agradecimentos, então acho que é visível a sua influência. Se você gosta da narrativa desses dois, não vai se decepcionar com a do Gabriel, um estreante que demonstra uma maturidade na escrita muito desejada entre os autores nacionais contemporâneos já velhos de casa! (adorei os trocadilhos gramaticais, como o plural do nome dos meninos!)
Na segunda metade do livro, temos o adendo justificado de alguns personagens já mencionados antes. Um ponto que me deixou um pouco incomodada foi o tom forçado de certas falas, principalmente do Matheus. Ele é basicamente uma máquina de gírias gays ambulante, e isso ao mesmo tempo que lhe confere personalidade, também tira sua originalidade, seu "eu verdadeiro", sabe? Eu tive a impressão de "conhecer" o Matheus só no momento da narração, porque na fala ele não me convence nem um pouco. E quase a mesma coisa acontece com a Laís, que me pareceu meio jogada na história, um "tapa-buraco" que serviu para certos eventos, mas que não me cativou.
Em geral, a trama é bem amarradinha, inclusive adorei o final justamente por ser condizente com outro(s) momento(s) (que não posso contar por motivos de: spoilers!). Tem muitas ponta soltas, mas é aquele tipo que se justifica e não atrapalha o enredo - inclusive nem sei se vai ter continuação, mas o livro funciona bem como volume único, do tipo que se tiver uma sequência pode até estragá-lo.
Achei a história um bocado fraca, contudo. Apesar de ter elementos que me agradam bastante (dicotomia interior/capital, populares/anti-sociais, vida real/internet), nada que me despertasse grande interesse ou me prendesse à leitura. Tive a impressão de que o livro não foi "escrito pra mim" em diversos momentos, porque não dava nem pra comprar o discurso dos personagens. Por isso creio que "certos tipos" de pessoas possam gostar mais do que outras, mas é uma leitura rápida (rapidíssima!) e bastante leve, engasga no início mas flui bem no final.
Como já mencionei, há diversos pontos cheios de clichê, alguns bem trabalhados, outros nem tanto - tem um específico que me causa horror, e eu costumo comentar sempre que aparece em livros/filmes, mas não vou falar especificamente pra não dar spoilers. Só que achei completamente desnecessário, podia muito bem ter seguido sem esse detalhe! E são clichês desse tipo que me fazem repudiar a nomenclatura "literatura LGBT" porque acho extremamente apelativo e que reforça estereótipos tanto dos próprios personagens quanto das tramas que eles vivem/têm de viver, além de dar a ideia que "todo mundo vai passar por isso" ou "essa é a realidade", quando, às vezes, não é. Uma generalização dispensável, se é que dá pra colocar assim (e eu entendo a "necessidade" de colocar certos assuntos na roda da discussão, mas acho desnecessário levantá-los a todo momento, e sempre do mesmo jeito).
Isso vem até de encontro com a postagem que fiz sobre sexualidade. Será que os personagens precisam ficar amarrados às próprias sexualidades para compor suas histórias? E todos os coadjuvantes tem que corroborar pra isso, pra replicar estereótipos e senso comum? (Eu odeio estereótipos, já sabem, né?) Enfim, isso me irrita de modo geral, e é uma pena ver que muitas das produções atuais, nacionais ou não, seguem na mesma linha.
Fico contente de termos visibilidade nesse sentido, sim, é óbvio! Que felicidade não é chegar numa livraria grande e ter lá, na primeira gôndola, um romance explicitamente gay e juvenil? Capa bonitinha, simpática, que atrai, e diagramação boa. E, ainda por cima, nacional, ao lado de nomes internacionais que fizeram fama aqui - especificamente o do Levithan (apesar de que existem tantos, mas tantos outros escritores tão ou melhores que ele para "encabeçar" essa lista! E já falei isso tantas vezes aqui, mas os brasileiros parecem ter se encantado com o Levithan de uma forma que cega a visibilidade dos outros, infelizmente, só porque não foram traduzidos por editoras grandes, ou nem mesmo foram, essa é a verdade)!
É grande a alegria sim, mas ao mesmo tempo é frustrante não encontrar nada "fora do padrão", que, para pessoas menos exigentes, tá ótimo, mas pra mim tá faltando aquele "algo mais" pra sair da mesmice sem profundidade de garoto-se-apaixona-por-garoto. Um dos únicos exemplos memoráveis até agora é de Volto Quando Puder, da editora hoo, que trabalha brilhantemente esse leque de possibilidades que é a sigla LGBT* (com asterisco, por favor!).
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Agradeço ao autor, Gabriel Spits, pela simpatia e atenção! E por ter levado às gôndolas das grandes livrarias esse pedacinho de representatividade bem-vinda!
Que resenha fofa! :)
ResponderExcluirSergio Viula