Pra muita gente, escrever é um hobby. Falei sobre essas atividades esporádicas que nos ajudam a levar a vida adiante no texto sobre Tolkien aqui, e não quero considerá-las agora. O que venho expor é justamente o contrário: quando algo passa de hobby à categoria de profissão.
É extremamente difícil encontrar a fronteira entre o prazer e o dever, e muita gente prega que ela não deve existir. Afinal, nada melhor que fazer sua obrigação sentindo-se feliz com isso, certo? Alguns hobbies se transformam de meros passatempos a ganha-pão de muita gente, mas poucos conseguem explicar quando e como isso aconteceu. Normalmente o tempo gasto com um hobby vai crescendo tanto que você já não o vê mais como uma ação casual ou acidental. Ela se torna parte da sua rotina, consome seu tempo e, se você batalhar muito, começa a te render os mesmos frutos que seu "emprego oficial" lhe concede: lucro financeiro.
Transformar a escrita como hobby em ofício remunerado não é fácil nem simples. Talvez seja até mais difícil que muitos outros passatempos, já que não temos a cultura de pagar para que alguém escreva algo, não é verdade? A maioria dos escritores, pelo menos os brasileiros, tem uma "segunda profissão", ou aquela que eles chamam de "oficial", a que colocam em formulários, na declaração do Imposto de Renda, etc. Eu mesma me encaixo nessa categoria: sou oficialmente professora. O que muita gente confunde, porém, é que ter duas (ou mais) profissões não quer dizer que a escrita não faça parte delas.
Sou professora e escritora, sim. Vivo com as duas coisas, isso quer dizer que pago as contas com o dinheiro que recebo de ambas as atividades remuneradas.
Foi difícil chegar até aqui? Sim, demais. E ainda é. Mas isso não quer dizer que tenho que me desvalorizar para seguir em frente.
Vejamos um exemplo: você que tem seu emprego numa empresa qualquer, levanta cedo todos os dias, pega o transporte público, bate cartão, faz hora extra (sem querer, na maioria das vezes), e recebe no começo de todo mês depositado na sua conta lá os seus vencimentos pelos dias trabalhados. Você alguma vez já pensou em fazer o contrário? Em pagar o seu chefe pelo seu trabalho? Acredito que não, né?
Você é pago pela função desempenhada, pelas atividades que faz e pela contribuição que gera ao seu trabalho, não é verdade? Por que deveria ser diferente com um escritor?
Ora, eu passo talvez muito mais horas do meu dia me dedicando à escrita que ao meu trabalho "oficial". Em alguns casos, talvez a contribuição que o autor gera à sociedade seja muito maior que a que ele gera para o bolso do seu chefe... Já parou pra pensar nisso?
Por que eu não devo receber pelo tempo, dedicação e função de escritor(a)?
Não estou dizendo que não podemos escrever "de graça" - se fosse assim, nem redação de colégio deveria ser não-remunerada, mas aí que se encontra a diferença do hobby e da profissão. Tem gente que não se importa de passar horas doando seus textos para portais de notícia, para blogs, para "jornalistas" reproduzirem sem os devidos créditos... Eu não consigo entender porque alguém que trabalha com as palavras não aceita ser pago por elas. É a lógica, não é?
Então se você tiver a oportunidade de contribuir financeiramente com o(a) autor(a) de qualquer coisa que você esteja lendo, faça! Esse é o ofício dele(a), e infelizmente não paga todas as suas contas porque ninguém entende isso! Incentive seu autor(a) favorito, compre seus livros, pague por seus textos e artigos, e por tudo que lhe é mais sagrado: não pirateie.
Se alguém roubar seu serviço de você e seu chefe te dispensar, você não vai receber seu salário no fim do mês. A lógica é a mesma, fica a dica.
Artigo escrito para a Revista Pacheco.
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