Preconceito literário.
Aliás, preconceito, uma palavrinha deveras polêmica hoje em dia.
É difícil encontrar alguém que fale que nunca sentiu preconceito, mas o que dizer se você mesmo tem e pratica (e não sabe)? (Ou esconde muito bem, tanto faz.)
Quem nunca ouviu alguém dizer que tal obra é que é "literatura de verdade", ou "se você não leu tal autor, nunca leu coisa boa". Ou pior: você só é "um leitor de verdade se conhece tais e tais obras, e é fã de tais e tais autores" que, em sua maioria, são estrangeiros e/ou possuem a língua materna/de escrita diferente da nossa.
O preconceito é um fenômeno antigo da sociedade. O ser humano tende a julgar as coisas de acordo com seu próprio padrão de ser, que é diferente de acordo com suas crenças, cultura e o ambiente onde vive. Ou seja, o que eu gosto pode ser (bem) diferente do que você curte por diversas e diversas razões (científicas ou não). O preconceito literário tem "surgido" no âmago das esferas culturais e separado muita gente em briguinhas desnecessárias.
Tem gente que adora dar a cara à tapa e dizer com a boca cheia que "lê de tudo", mas será que é verdade mesmo? Faça uma reflexão sob a luz destes fatos.
Há quem torça o nariz para diversas coisas que surgem por aí. "Modinhas literárias", "escritores amadores", "coletâneas e antologias", só pra citar alguns. Eu acredito fielmente que quanto mais a gente lê, melhor é - e melhor fica. Afinal, quanto mais material a gente tem para desbravar, mais exemplos a gente encontra. Tanto de coisa boa, quanto de coisa ruim (novamente se pautando nos gostos pessoais, apesar de existir aquele tal de "senso comum" em que um grupo grande de pessoas concorda ou discorda em um ponto).
Confesso que costumava ser uma daquelas pessoas que estufava o peito pra falar que lia (e escrevia) de tudo, mas nos meus momentos de pensamento comigo mesma, é claro que eu descobri, infelizmente, que isso não é totalmente verdade.
Sabe aquelas descrições de perfis por aí que adoram dizer "leio de tudo, até bula de remédio"? Então. Sério mesmo?
Eu leio bastante. Atualmente tem sido mais que um passatempo, é uma forma de pesquisa, de referência e eu praticamente trabalho com isso. Então sim, eu leio muita coisa diferente, de assuntos desconexos, mas "ler de tudo" está longe de ser verdade. Eu seleciono, mesmo porque não tenho tempo hábil pra ler de tudo. A vida não é um pacotinho de horas infinitas!
Quando a gente vai à livraria, ou navega por um site de compras, a tendência é passear pelos corredores/seções que mais nos agradam, né? Todo mundo tem uma preferência, isso é mais que natural, mas tem gente que evita a todo custo passar perto de certos assuntos. E descobri que eu fazia isso, mesmo que involuntariamente. Uma seleção dentro da seleção.
Eu não leio de tudo, pelo contrário. Costumo inclusive fazer careta quando ouço alguém dizendo que ama ler e, quando perguntado, os únicos livros que cita são de autoajuda (ou obrigatórios da escola/faculdade/trabalho). E ta aí meu preconceito literário assumido e escancarado, que eu mesma demorei a entender que era, de fato, um preconceito: livros de autoajuda. E livros de empreendedorismo, daqueles de conselhos pra ficar rico e tal.
Não é por falta de tentativa nem uma aversão impensada, portanto não é um pré-conceito; eu já li diversas obras nessas temáticas, sim, só que nada me prende, ou me desperta a curiosidade ou a vontade de continuar lendo.
Mas aí é que tá: se esse tipo de leitura consegue fazer isso por outras pessoas, que bom! Ótimo, fico sinceramente feliz! É esse o propósito da literatura, afinal, não é? Ler não vai te tornar automaticamente mais sábio que outra pessoa, mas um pouco mais de (qualquer) conhecimento não faz mal a ninguém.
O problema do preconceito está na rejeição. E, de certa forma, também no pré-conceito.
A literatura está aí para expandir nossa cabeça, então o que dizer de quem "só lê os clássicos", ou "só lê literatura estrangeira porque a nacional é porcaria"? Essa forma de rejeição sem embasamento - às vezes, como disse, involuntária - é que infelizmente estraga o propósito do livro em si. É uma simples questão de respeito pelo próximo: há quem goste do amarelo em vez do azul, e não necessariamente um é melhor que o outro.
Quem (só) lê Tolstoi não é necessariamente mais culto do que quem (só) lê infanto-juvenis.
Vale a pena a reflexão. É difícil aceitar que você pode estar fazendo aquilo que tanto repudia, mas acredito que o primeiro passo é esse. Eu ainda não consigo gostar de autoajuda, mas respeito quem gosta e não vou diminuir esse tipo de literatura e/ou pessoa só porque eu não curto.
Talvez esse problema seja, ainda, um dos que atrapalhe a inclusão da literatura na vida das pessoas em geral. Os índices de quem abandona a leitura depois de ser "empurrado" a ler tal coisa, só porque fulano disse que é bom, são altos - vide a pressão das obras obrigatórias na escola e a falha em formar leitores ao oferecer aquilo que não os atrai.
Enfim, esse assunto fica pra depois. Hoje é dia de cortar o seu preconceito pela raiz e responder a pergunta: você tem preconceito literário?
Artigo originalmente postado na Revista Pacheco.
Com certeza! Meu maior problema também é autoajuda.
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