31/05/2012

Review - Dragões de Éter #1

Título: Dragões de Éter - #1 Caçadores de Bruxas
Autor: Raphael Draccon (@)
Idioma: Português.
Primeira publicação: 2009?
440 páginas. Editora Leya. Lançado também em Portugal.

Olha, vou confessar que me senti obrigada a fazer essa resenha. E vou dizer também que comecei a ler esse livro numa fase literária ruim: eu havia lido recentemente dois autores brasileiros e havia me decepcionado bastante. Mas bastante mesmo, com força.

Nunca fui muito chegada a nada nacional - outra confissão - então sempre tive certo receio de me arrepender amargamente de priorizar certos livros na minha listinha de leitura (que, convenhamos, é gigantesca. Devo ter livro pra ser lido em, pelo menos, um ano e meio.) E esse ano li dois livros nacionais e, como comentado, os dois me decepcionaram. Fiquei de fazer resenha de um, mas acabei deixando pra lá. Nem resenha vale a pena.

Mas desse aqui vale.



Porque me surpreendeu mais que o esperado. Eu já não estava esperando muita coisa depois das decepções, o que também contribuiu para elevar o status da obra comigo. Mas mesmo assim, ela criou mais que aquela "pontinha de esperança" na literatura nacional, praticamente a reergueu das cinzas. 

Para os desavisados de plantão, Raphael Draccon é carioca, e, como retirado de seu próprio site pessoal, hoje trabalha com:

"produtores, diretores de cinema e editores literários nacionais e estrangeiros no desenvolvimento de roteiros audiovisuais e séries de literatura"
Sua série de literatura fantástica foi escrita quando o mocinho tinha apenas 22 anos e altamente cultuada na mídia. Hoje, acho que ela é um exemplo e inspiração pra muita gente.

É do primeiro livro dessa série que estou falando.

A História e os Personagens
Com preceitos básicos da maioria dos livros de literatura fantástica, a série conta a história de um mundo - o Nova Ether - dividido em reinos dos mais variados, governados por famílias nobres, com direito a aparições de fadas, águias-dragões, trolls, anões, bardos... Tudo bastante clichê se não fosse pelo original: Nova Ether abriga, quase que literalmente, todos os personagens de contos de fadas que existem no ocidente. Não entendeu? Pois bem, pra mim também não fazia sentido até que eu finalmente li o bendito.

Da orelha do livro, a editora faz um pequeno comentário sobre a série que, acho, pode parecer meio estranho a princípio, mas que a caracteriza bastante:

"Com diversas referências contemporâneas, que vão de séries como Final Fantasy e contos de fadas sombrios e bandas de rock como Limp Bizkit e Nirvana, Dragões de Éter constrói uma trama onde romances, guerras, intrigas, diálogos filosóficos, fantasia e sonhos juvenis se entrelaçam para construir uma jornada épica de profundidade espiritual".
O que eles querem dizer, em suma, é que você vai encontrar a Chapeuzinho Vermelho, João e Maria, Axel Rose Branford, Kurt Cobain, os sete anões, a princesa e o sapo, Capitão Gancho e muitos outros ilustres personagens vivendo num lugar só, interagindo entre si e criando uma vida fora das histórias originais. Todos eles têm nome, família e um história que não termina ali nos "felizes para sempre" (ou não).

Maluquice? No começo, achei bastante estranho. Parecia algo muito forçado e artificial. Mas a escrita de Draccon cativa até que não gosta de contos de fada - e ele molda os personagens de um jeito tão particular que acabam parecendo pessoas novas, e não aquelas "recicladas" dos contos antigos. Talvez até sejam personagens novos, mas que tenham algo em comum com aquelas histórias: o pano de fundo, porque o futuro ninguém, até então, soube. O que acontece depois do "fim"? Existe mesmo um "fim"? Quer saber a resposta? Leia essa série.

Fiquei particularmente impressionada com a quantidade de eventos que Raphael conseguiu reunir num livro só. A trama é bastante densa e às vezes me perguntava o que tal fato havia de importante para a história. Mas é tudo bem encaixado e amarrado. As referências contemporâneas citadas na descrição da orelha do livro aparecem constantemente e, como boa nerd que sou, fiquei apaixonada com o jeito com que ele lidou e as inseriu na história. Confesso mais uma vez que reli a referência ao Kurt umas treze vezes (sem brincadeira) de tanto que eu gostei. Quem tem um mínimo de conhecimento cultural contemporâneo vai conseguir captar os mínimos detalhes e, creio, não ficará desapontado. Assim como eu não fiquei.

Mas é possível juntar tanta coisa estranha numa trama só? Contos de fada, ídolos da música, jogos? E eu respondo: sim. Mas acho que só o Raphael conseguiu fazer isso de um modo mais natural. Eu até pensei em descrever um livro como um gigantesco crossover contemporâneo, mas acho que acabaria rebaixando-o demais. É muito além disso.

Ao fim do primeiro livro, você percebe que os personagens amadureceram assim como a escrita em si. Eles não são mais João e Maria, são João e Maria Hanson. Ariane Narin não é mais só a Chapeuzinho Vermelho e Axel não é só um nome, mas é um príncipe de personalidade e atitude. Este, aliás, como a maioria das plebeias, se tornou meu ídolo. E Snail Galford também se tornou um personagem querido, apesar de não saber explicar exatamente o motivo.

A escrita
Uma das críticas que eu vi sobre a série é justamente o modo como Draccon escreve. A crítica seria natural, já que, creio eu, quem se dispõe a fazer uma resenha bem feita deve obviamente prestar atenção a esse ponto, um dos mais importantes, senão o mais. Mas várias críticas foram negativas, e eu discordo delas. Não totalmente, mas discordo.

Raphael Draccon escreve muito bem. Digo não só por já ter experiências com vários tipos de autores, mas principalmente os nacionais. Ele está num nível que raramente a gente vê hoje em dia. Mas, apesar disso, temos sim os poréns.

Logicamente que pelo conteúdo da série, dá para se perceber que o autor sofreu inúmeras influencias que afetaram, claro, sua escrita. Isso pode deixá-la clichê em certos pontos, mas não a abala. As frases são bem construída, os diálogos são muito bons. Gramaticamente quase impecável e acho que o trabalho do revisor também merece destaque nesse ponto.

Todavia, sou obrigada a concordar com certos pontos negativos nesse quesito.

Existe, sim, algumas repetições de palavras desnecessárias, que seria totalmente percebido numa segunda - terceira, quarta - revisão. Há sentenças cuja fonética das palavras simplesmente deixam a coisa... feia. Mesmo que as palavras em si não sejam repetidas. Sabe? E sei que estou sendo chata nesse ponto, mas é questão de implicância que tenho com meus próprios escritos. Dou chilique assim que vejo coisa repetida, falta de sinônimos e criatividade pra mudar a estrutura das sentenças. Infelizmente percebi isso e várias ocasiões, o que pra mim é um ponto negativo a ser trabalho - e facilmente consertado, diga-se de passagem.

O livro, aliás, é escrito como se fosse cantado. Sim, como se estivéssemos ouvindo um bardo contar a seu modo a história. E o próprio narrador se dirige a si e aos leitores diretamente. Dá explicações, faz perguntas, como num diálogo - mental, imaginário? - entre autor e leitor. Foi difícil me acostumar com a ideia de um "narrador fantasma", mas mais porque eu sempre procuro pelo contado no meio da história. E ele não aparece, o que me deixou meio desnorteada, mas foi questão de se acostumar com o ritmo e o jeito da escrita.

O segundo ponto negativo da escrita é, acho, o que todos mais pegam no pé do coitado: as gírias que os garotos usam.E eu havia feito esse comentário no momento em que estava lendo o livro. Achei desnecessário o jeito das crianças se comunicarem, com o palavreado informal/coloquial demais, e por muitas vezes me pareceu exagerado. Acho que ele poderia ter usado, sim, o que pretendeu - afinal, é uma das características do livro! Só achei que, em certos momentos, me pareceu "não fazer parte do clima da história".

Obviamente que isso não atrapalha a leitura, mas pode enfurecer quem deseja algo mais "certinho".


Enfim.

Só ao fim do livro que descobri que esta era a segunda edição, com comentários do próprio Raphael ao fim. Entretanto, não imagino uma primeira. Essa, sem tirar nem por, é a perfeita. Personagens, por mais clichês que possam parecer, são o oposto do esperado, o que é muito bom! Particularmente babei no posfácio e no conto final anexado.

Então, resumindo, leitura obrigatória pra quem gosta de fantasia. Me surpreendeu muito em todos os sentidos.

Acho não, tenho absoluta certeza de que virei fã do Raphael. E esse é só o primeiro livro dos três da série! Já digo que ele merece demais pelo que conseguiu fazer nessa trilogia e por ter colocado respeito na literatura nacional.



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